No final do ano passado, a notícia de uma jovem britânica de 19 anos que foi submetida a um implante de cílios chamou a atenção. O procedimento só foi necessário porque Louise Thomas tem o hábito de arrancar os fios e pelos do corpo desde os dois anos de idade -até que eles pararam de nascer em suas pálpebras.
Louise sofre de um transtorno de controle do impulso conhecido como tricotilomania (em grego, “thrix” significa cabelos e “tillein”, arrancar). Pouco compreendido, afeta 3% da população mundial. A maioria das pessoas acredita tratar-se de um simples mau hábito, como roer unhas, que depende apenas de força de vontade para ser cortado da rotina. Não é.
A Associação Americana de Psiquiatria coloca o transtorno na mesma categoria da cleptomania (hábito de furtar), do jogo patológico (vício em apostas e jogos de azar) e da piromania (ato de incendiar objetos e lugares). E ainda há especialistas que classificam a mania de arrancar os cabelos como uma forma de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo).
Ainda não se sabe bem por que o transtorno ocorre -acredita-se em uma causa multifatorial, envolvendo desde herança genética até traumas psicológicos. Geralmente por volta dos 12 anos, a pessoa passa a ter uma vontade incontrolável de mexer e depois arrancar fios do couro cabeludo (em 80% dos casos) e também de sobrancelhas, cílios e pelos dos braços, das pernas e do púbis.
“O ato funciona como uma forma de aliviar a tensão. É recorrente e segue um ritual (sempre quando a pessoa vai dormir ou está sozinha, por exemplo), pode durar horas, resulta em perda capilar perceptível e não provoca dor, mas prazer e alívio, seguidos de culpa”, explica o psicólogo Edson Luiz de Toledo, coordenador do Atendimento a Portadores de Tricotilomania do Proamiti (Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Muitos pacientes relatam sentir vergonha e chegam a tomar medidas extremas, como deixar de sair de casa ou raspar todo o cabelo e usar peruca ou apliques para evitar a tentação.
Foi o que ocorreu com a estudante de direito Queila Ferreira, 22. Após a separação dos pais, aos nove anos, e com a convivência com uma tia que também tinha a mania de arrancar os fios de cabelo, ela começou a usar o hábito como forma de descontar a angústia e a tristeza que sentia na época.
Como outros pacientes relatam, até os 18 anos Queila só usava boné, fugia de eventos sociais e encontros familiares, colecionava complexos e ficava cada vez mais introspectiva. “Sentava no fundo da sala de aula e sofri muito quando uma colega, ao olhar as falhas no meu cabelo, perguntou se eu tinha câncer”, conta.
Mas há casos piores. O transtorno, que afeta apenas um homem a cada dez mulheres, pode ter consequências graves para indivíduos que, além de arrancar, também ingerem os fios. O quadro pode evoluir para a síndrome de Rapunzel, quando forma-se um bolo capilar que ocupa toda a extensão do estômago e só pode ser retirado cirurgicamente. Do contrário, pode provocar náuseas, vômito, anemia, anorexia e até a perfuração gástrica.
Aos primeiros sinais de tricotilomania, um especialista deve ser procurado. A recomendação é recorrer ao psiquiatra, uma vez que em quase a totalidade dos casos há algum outro distúrbio envolvido. Os transtornos de ansiedade e a depressão geralmente acompanham a mania de arrancar os cabelos, assim como o TOC.
Quanto ao tratamento, ainda não há uma droga específica. “Usamos a mesma medicação administrada em pacientes com TOC, além de outras drogas com ação reconhecida no controle da impulsividade”, diz José Alberto Del Porto, professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo.
Também é importante associar um acompanhamento psicoterapêutico. De acordo com Toledo, os exercícios propostos pela terapia cognitivo-comportamental ajudam o paciente a desenvolver novas estratégias para lidar com a situação.
Fonte: Folha de S.Paulo (18/03/2010)